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terça-feira, 22 de março de 2011


Quando lí sobre esse assunto, sabia que iria enveredar por um terreno pantanoso, uma vez que iria lidar com dois paradigmas muito poderosos na vivência de cada um de nós: o amor e o BDSM.
De um modo geral, pela minha experiência pessoal e pelo que vejo da dos outros, o BDSM surgiu na vida de cada um de nós como resultado de um processo mais ou menos intenso, mas sempre libertário. Escravas ou Mestres, submissos ou Dominadoras, para a maioria de nós o BDSM representa a possibilidade insuspeitada de viver uma fantasia que não sabíamos até então poderia ser experimentada como algo inteiramente são, seguro e consensual. A descoberta disso, via de regra, transborda de entusiasmo. É como se enfim nos livrássemos dos preconceitos, menos os alheios e mais os nossos próprios. Mas sempre que a humanidade (e cada pessoa em particular) se livra de algo que lhe oprime, a tendência inicial é rejeitar completamente o que antes lhe sufocava. E o que nos impedia de alcançar a liberdade da vivência BDSM?
Bem, essa questão é bem pessoal, mas creio que no âmago de cada resposta em maior ou menor grau está um pouco do ideal do amor romântico, aquele amor sublime, que não traz o paradoxo do ódio dentro de si, que é apenas enlevo e alegria, que é celebrado nos matrimônios, nas letras de música, nos poemas de todos os tempos, nos romances, no cinema, no palpitar dos corações adolescentes (e dos nem tanto). Dentro do ideal do amor romântico é impossível pensar que alguém que me ame possa comprazer-se em êxtase como meu sofrimento. E como eu posso amar alguém que me tortura? Desse modo, muitas vezes foi preciso questionar (e negar) muito esse ideal de amor para se chegar à possibilidade da experiência BDSM. E aí, muitos de nós vangloriam-se por dissociar o amor (qualquer amor) do BDSM, inclusive tratando com um certo desprezo, mais ou menos sutil, aqueles que se dizem amorosamente envolvidos com os seus parceiros nos jogos BDSM, pressupondo que quando tais sentimentos não estão presentes nas relações, o jogo é mais maduro, mais puro, mais "essencialmente" BDSM.
No entanto, nesse ponto, acho que me cabe comentar, há amores e amores. Formas inúmeras de amar, talvez tantas quanto sejam as pessoas no mundo. Dizendo isso não pretendo me eximir do cerne da questão, relativizando tudo e portanto não afirmando nada. Afirmo, sim, que no meu entender o amor é condição essencial para viver o BDSM. Mas não me refiro aqui ao ideal do amor romântico, até porque nesse eu não acredito. Também com isso não pretendo retroceder no que a maioria de nós, mulheres, conquistamos nas últimas décadas, ou seja, a capacidade de dissociar sexo de amor. Embora algumas espécimes remanescentes ainda não tenham tido o prazer dessa descoberta, a maioria de nós já sabe que é possível (e muito prazeroso) o sexo pelo sexo, sem necessidade de maiores sentimentos envolvidos. Inclusive o sexo BDSM.
Não é disso que trato aqui. Para dizer do que trato aqui, tentarei falar sobre o que significa o BDSM, do meu ponto de vista:

1. Antes de tudo, entrega irrestrita. Não consigo imaginar um relacionamento BDSM onde há espaço para algum canto escuro, secreto, intocável, sagrado. Não há nada que possa ser pensado, imaginado, vivido, fantasiado, mas que não possa ser dito ao outro.
2. Desse modo, o BDSM também significa confiança absoluta, porque não se partilha nossas sombras com alguém em quem não se possa depositar total confiança.
3. É preciso cumplicidade, sintonia, afinidade para submeter-se a uma outra pessoa, para seguir na trilha que ela indicar, para colocar o prazer do outro acima do nosso (sabedores que já somos de que ali estará, ao final, também o nosso prazer).
4. É preciso muitas vezes uma determinação férrea para suportar a dor (especialmente aquela que realmente não buscamos - pois sabemos que para nós é muito fácil rir com prazer da maioria das dores que nos infligem), e uma imensa força de vontade para retirar dessa dor verdadeira (dessa "dor pura" digamos assim) um prazer real, já que é essa a nossa glória e o nosso suplício.
5. Por fim, é preciso um respeito profundo, muito tesão e um interesse constante pelo outro para que palavras seguras sejam ditas e sejam recebidas, sem que a natural e mútua frustração se transforme em mágoa, ressentimento, cansaço ou desânimo.
Para mim, entrega irrestrita, confiança, cumplicidade, sintonia, afinidade, determinação, força de vontade, respeito profundo, muito tesão e interesse constante nada mais são que outro modo de falar, em conjunto, de AMOR. E talvez se há alguma divergência entre nós, essa seja apenas de terminologia. Percebo, que acabei construindo um outro ideal de amor, menos ingênuo talvez, menos maniqueísta, já capaz de incluir em sua estrutura sentimentos menos "nobres" como o ódio, a raiva, a força do poder, mas nem por isso menos ideal. No entanto isso só reforça o pensamento de que é de amor que estamos tratando aqui, pois qual a matéria de que é feito o Amor senão o Ideal?
Na prática, nada é assim tão simples, e a determinação férrea muitas vezes se confunde com resistências férreas, a entrega irrestrita às vezes se confunde com o medo da perda, a sintonia se abraça com a acomodação, a força de vontade vira teimosia, e é preciso doses extras de paciência e tolerância para não perder o rumo. Mas amor é assim mesmo, cantado na prosa e no verso sempre soa diferente do que se vive dentro da pele - mas aí já é tema para um outro colóquio...

P.S. :  ARTIGO  RETIRADO  DO  SITE  "O CARCEREIRO" 
ARTIGO ESCRITO POR JULLIA

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