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quinta-feira, 19 de maio de 2011

Minha infância foi solitária. minha mãe não me deixava brincar na rua com as outras crianças nem dormir na casa de amigas. Lembro de poder brincar apenas com meu irmão, um ano mais novo. Minha mãe era uma mulher autoritária e rígida, especialmente comigo, sua única filha. Ela dizia que eu deveria me portar como uma mocinha delicada — o que era difícil, porque sempre fui a mais alta e menos discreta da classe. Fora de casa, eu era mandona e briguenta. Hoje, vejo que esse meu autoritarismo era a reprodução do comportamento dela que eu via em casa. Ela, por sua vez, também reproduzia a rigidez com que foi criada pela minha avó — dura e controladora como ela.

Aos 13 anos, arranjei o primeiro namorado, da minha idade. Minha mãe lançava olhares severos sobre nós. Não nos deixava ficar sozinhos. Depois de dois anos, conseguimos driblar o cerco dos nossos pais e fizemos amor. Foi uma delícia, eu gostava dele. Nove meses depois, nasceu meu filho, hoje com 21 anos. Quando eu soube da gravidez, quis casar. Meu namorado não queria, mas aceitou por pressão minha e da família. Quando meu filho tinha
1 ano, percebi que não gostava mais do meu marido e decidi me separar. Minha mãe foi contra, disse que ia me colocar em um colégio interno. Mantive a decisão e brigamos até ela desistir da ideia. 
1 ano, percebi que não gostava mais do meu marido e decidi me separar. Minha mãe foi contra, disse que ia me colocar em um colégio interno. Mantive a decisão e brigamos até ela desistir da ideia.

Separada, voltei a morar com meus pais. Nessa época, começaram as nossas mais violentas brigas. Foi um período difícil. Apesar de ter tido um filho, era jovem e queria me divertir. Cada vez que eu dizia que queria sair com as minhas amigas, ela dizia que eu estava sendo irresponsável. Eu me sentia culpada e angustiada. A verdade é que nunca tive o apoio dela, apenas cobranças e mais cobranças. Aos 18 anos, prestei vestibular para direito por causa da insistência infernal da minha mãe. Não sabia ao certo qual profissão seguir, mas optei pela que ela queria. Sou advogada, mas nunca exerci a profissão.

Trabalho como tradutora para empresas. Depois do primeiro casamento, namorei outras vezes. Mas meus relacionamentos sempre seguiram um padrão: intensos, fogosos, cheios de paixão e de fúria, mas que invariavelmente acabavam rápido porque eu teimava em impor minha vontade aos parceiros. Todos os meus namorados reclamavam do meu temperamento, diziam que eu era controladora e intolerante. Eu até tentava me segurar para não me intrometer na vida deles, mas não conseguia.

No ano passado, após terminar um namoro e desgastada por tantas desilusões amorosas, decidi procurar parceiros em sites de relacionamentos e no Orkut. Durante essa busca, topei com as comunidades virtuais ‘homens que adoram mulheres dominadoras’ e ‘mulher nasceu para mandar’. Fiquei interessada. Achei que lá eu poderia encontrar um homem que estivesse disposto a agir de acordo com a minha vontade. Navegando por essas comunidades, descobri o BDSM [Bondage (amarrar), Dominação, Sadismo e Masoquismo], um movimento que reúne pessoas que têm fantasias eróticas que envolvem amarração, algemas, chicotes, vendas. Pode haver dor e humilhação.

No princípio, fiquei um pouco apreensiva. Imaginei que encontraria um monte de gente esquisita e infeliz falando de suas mais bizarras fantasias. Mas me surpreendi com o nível intelectual dos participantes: advogados, médicos, jornalistas, professores universitários. Gente feliz e bem resolvida. O BDSM tem uma filosofia muito interessante: as relações devem ser consensuais, sãs e seguras; tudo deve ser acordado previamente entre o casal ou as demais pessoas que vão se relacionar. Descobri que o pessoal que faz parte do BDSM chama o mundo comum de ‘baunilha’ [o termo é uma tradução do inglês ‘vanilla’, descrito como sem graça pelos dominadores e sadomasoquistas].

Descobri também que há um tipo de fetiche chamado dominação: uma parte do casal submete a outra às suas fantasias e desejos. Na dominação feminina há uma supremacia da mulher: temos de ser tratadas como rainhas. Os homens não podem sentar à mesa se a gente não sentar primeiro, não podem comer se a gente não der a primeira garfada, têm de abrir a porta do carro. É uma devoção absoluta. Têm de ter uma fidelidade canina à sua dona. A dominação vai além do corpo, do sexo, envolve a alma. Isso é lindo, é fantástico. Fiquei fascinada pela possibilidade de ser uma dominadora, de ter um submisso para mim, um escravo sexual. Nessa tribo, o meu autoritarismo seria valorizado e eu podia ser eu mesma sem medo ou vergonha. Embebida por uma mistura de curiosidade, fascinação e empolgação, resolvi entrar para essa turma. Criei um nick, o nome que uso até hoje na rede, Leonna.

Comecei a conversar com um homem que se dizia submisso e morava em Minas Gerais. Como todo ‘sub’, ele me chamava de senhora. Era heterossexual, mas gostava de se maquiar como mulher na hora do sexo. Falei para ele que nunca tinha feito aquilo, mas pensar em dominá-lo na cama me excitava. Combinei de encontrá-lo em uma festa organizada por fetichistas em um bairro da zona oeste de São Paulo. Eu não tinha certeza se ia ficar com aquele cara, se ia ter coragem para realizar as fantasias dele. Mas resolvi encarar. Vesti um corpete preto, botas pretas de salto agulha. Levei um chicote e coloquei colares que lembravam correntes. Carreguei na maquiagem.

Fui sozinha. Chegando lá, encontrei o rapaz, que me apresentou a amigos e amigas. Logo de cara, percebi que ele não me atraía. Não fiquei muito perto, dei umas sumidas, umas despistadas. Não precisei dizer que não queria nada. Ele estava acostumado a esse tipo de encontro — às vezes a empatia que rola no mundo virtual não acontece no mundo real. Fiquei maravilhada com o ambiente e com as fantasias. As pessoas iam muito bem arrumadas. Me impressionou ver que mulheres seminuas circulavam pelo ambiente e ninguém tentava tocar nelas sem permissão. Naquela primeira noite, não fiquei com ninguém. Apenas conversei com homens e mulheres que me descreveram suas fantasias e contaram maravilhas do mundo BDSM.

Continuei frequentando os sites, fóruns e comunidades BDSM na internet. Minha família, claro, nunca suspeitou desse meu lado. Eles sabem que vou a uma festa à fantasia, e só. Acho que ficariam decepcionados porque o BDSM ainda é muito malvisto pela sociedade. As pessoas acham que é coisa de maluco. Não é assim. Fora que ninguém gosta de saber o que a sua mãe faz na cama, ainda mais se ela faz coisas incomuns. Contei para as amigas mais próximas a minha nova aventura. A primeira reação delas foi de espanto. Quando contei do que se tratava, algumas se interessaram e até toparam ir à festa comigo, mas não voltaram depois. As que não quiseram me acompanhar continuam superpróximas, mas não falamos desse assunto. Saio com elas para ir ao karaokê, para jantar.

A Leonna acabou virando minha identidade nas salas de bate-papo. A dominação virou um segredo partilhado com poucas amigas e praticado principalmente em conversas em salas de chat. Nunca tive nenhum grilo ou angústia por assumir essas duas personalidades. Ao contrário, a Leonna me libertou e me trouxe autoestima. Passei a valorizar meu lado autoritário, que antes encarava como defeito. O meu cotidiano continuou normal: tradução para empresas, convívio com o meu filho, encontro com os amigos. Quando estava sozinha em casa, entrava na internet e no universo BDSM.

Em uma sala de bate-papo, conheci um técnico de informática, solteiro, que estava à procura de uma dona (a maneira como os submissos se referem às namoradas). Aquilo me deixou excitada. Ficamos um mês conversando pela internet num período que chamamos de ‘adestramento’. Além de dizer o básico: nome, idade, profissão, hobbies, falamos sobre as fantasias e fetiches. Marcamos de nos encontrar em um motel.

No caminho, fiquei ansiosa e nervosa. Aquela seria minha primeira experiência sexual como dominadora. Tinha medo de fazer algo errado. Achei-o interessante no instante em que o vi — era bonito, forte, oito anos mais novo do que eu. Gostei ainda mais dele quando começamos a fazer sexo. Assim que deitei na cama, ele começou a me cheirar inteira, me fazer carinhos. Me senti a mulher mais gostosa e mais desejada do mundo. Foi incrível. Muitos submissos confundem submissão com passividade, mas uma coisa não tem nada a ver com a outra. O passivo deita na cama e fica esperando que a dominadora faça tudo. Isso não tem graça. A transa tem de me dar prazer. Muito prazer. O submisso não só pode como deve tentar dar prazer a sua dominadora. Combinamos de nos ver outras vezes.

Depois de alguns encontros em motéis, começamos a namorar e ele virou meu escravo pessoal. Passou a frequentar a minha casa, onde fazia faxina. Também resolvia outros problemas: levava eletrodomésticos quebrados para consertar, ia ao banco pagar contas. Quando fazia algo errado, eu mandava refazer. Me apaixonei por ele e me entreguei para a relação. Vivemos dez meses maravilhosos, até o dia em que, em uma balada, o vi de longe conversando com umas meninas. Um submisso jamais pode fazer uma coisa dessas. No início do namoro, se eu ia ao banheiro em uma festa, ele ficava me esperando olhando para a parede. Quieto. Naquele dia comecei a duvidar da submissão dele. Depois de algumas conversas, ele admitiu que precisava procurar uma submissa porque também era um dominador.

Fiquei muito triste. Não queria voltar a praticar sexo baunilha e tive a ideia de partir para a dominação profissional, virar uma dominatrix. Minha ideia não era ganhar dinheiro com o sexo, mas continuar tendo meus momentos de prazer. Coloquei anúncios em sites da comunidade BDSM e criei um blog. Não demorou muito para um cliente me procurar. Era um podólatra — tinha fascínio por pés. Queria que eu fizesse trample — subir em cima dele com os dois pés, de salto alto. Topei, mas avisei que decidiria na hora se teria penetração. Marcamos de nos encontrar em um motel. De novo, fiquei um pouco nervosa, receosa. Mas, quando cheguei lá, topei com um homem bonito, sorridente, de 42 anos, que me deixou excitada. Transei com ele porque quis.

Sentir prazer é condição fundamental para uma dominatrix durante uma sessão — nós não chamamos esses encontros de programas. Se não for prazeroso para mim, não é dominação. Sempre aviso meus clientes que eles têm de fazer sexo oral em mim. Decido se vai haver penetração na hora. Se não estiver com vontade, não transo. Topo amarrar, algemar, xingar, humilhar e dar tapas. Mas nunca bato para machucar, não torturo. Não pratico enforcamento porque tenho medo. Não atendo masoquistas. Ao contrário dos submissos, eles ficam bravos se paro uma sessão no meio, por exemplo, porque quero fumar um cigarro ou tomar um drinque.

A dominação profissional começa no momento em que o submisso entra em contato comigo. Os xingamentos e humilhações podem começar no messenger ou no telefone. Nesse momento combinamos o que será feito durante a sessão. Geralmente, acertamos o meu tributo (como chamamos o pagamento) ou se ele me dará um presente. Também combinamos uma senha que funciona como chave de segurança. Pode ser uma palavra como ‘inconstitucional’, que não tem nada a ver com a situação, ou um gesto com as mãos. Isso é importante para eu saber a hora de parar. Também faço exigências: ‘Quero tantos maços de cigarro e 13 velas cor de rosa espalhadas pelo quarto’. Gosto de marcar em suítes temáticas de motéis — a minha preferida chama masmorra. Me produzo: tenho fantasias e roupas caras. Faço uma maquiagem pesada e capricho nos acessórios. Me arrumo por mim, não por eles. Incorporo um personagem. Curto esse barato.

Nunca aconteceu de um cliente tentar mudar as regras acordadas, forçar a barra para transar quando não tive vontade. Uma vez, um cara tentou me dar uns tapinhas no bumbum. Parei e disse que aquilo não estava no pacote. Encerramos a sessão ali. Ele nunca mais me procurou. A maioria dos clientes é de homens casados, que não gostam ou não se sentem confortáveis em realizar os fetiches com a mulher. Têm entre 30 e 40 anos, são bem-sucedidos e, de alguma forma, exercem autoritarismo na vida profissional. Tenho muitos clientes delegados, por exemplo. Mulheres também me procuram, mas eu não atendo. Uma vez atendi um casal de podólatras que queriam ser escravizados. Transei com os dois. Para ela não ficar com ciúme, dei mais atenção à moça do que ao rapaz.

Nunca tive crise de consciência por ser dominadora. Nunca tive dó de um submisso: eles adoram ser mandados. Me encontrei na dominação. Foi um reforço para a minha autoestima. Não caio mais nas chantagens emocionais da minha mãe, por exemplo. Não sinto culpa em tentar ser feliz. Aceitei que a minha felicidade está em dominar homens na cama. Cada um tem a sua busca. Eu me encontrei. Na verdade, me arrependo de não ter começado mais cedo. Fora esse choque de amor-próprio, ainda recebo um presente ou um pagamento no final da sessão. É maravilhoso!

Às vezes fico imaginando o que faria se meus familiares descobrissem minha outra identidade. Acho que assumiria sem problemas. O que faço não é ilegal, não é crime. Quando tenho momentos de fraqueza ou quero um mimo, posso mandar o meu escravo pessoal, como aquele namorado que limpava minha casa, fazer uma massagem, um carinho, um afago. O submisso serve para isso. E faz essas coisas com adoração pela dona.

Existe um desconforto como dominadora. É difícil encontrar um submisso de verdade. A dominadora se frustra porque acredita que o submisso está feliz em ser maltratado. Mas, muitas vezes, o cara sofre. E fica melindrado. Achei que estava abafando no meu relacionamento de dez meses. Acabei me envolvendo mais do que ele, que no fundo achava aquilo um saco, apesar de excitante. Ele cultivou uma raiva porque perdeu a autonomia, a liberdade. Os submissos ficam acumulando esses sentimentos até que traem ou explodem.

Desde que entrei para o BDSM, não transei mais com um baunilha. Mais por falta de oportunidade do que por falta de vontade. Se me apaixonar por um homem que não tenha fetiches e se ele se apaixonar por mim, deixo a minha vida de dominadora numa boa

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